Entrevista com João Paulo Martins
João Paulo Martins é jornalista especializado na área dos vinhos e, nessa qualidade, tem colaborado em vários jornais e revistas. É redactor da Revista de Vinhos e colaborador da revista Metrópoles, editada pela Área Metropolitana de Lisboa. Colabora também com o Expresso com suplemento anual de vinhos e publica, há treze anos consecutivos, o Guia Vinhos de Portugal, talvez o mais conceituado guia de vinhos em Portugal.
A meu convite, concedeu uma pequena entrevista ao Blog Pingamor. Uma entrevista com perguntas directas e respostas directas. Assim, retomei as entrevistas para o Blog com o crítico de vinhos mais seguido em Portugal.
Resta-me agradecer ao João Paulo Martins pela sua disponibilidade.
Entrevista
Como começou a sua experiência com os vinhos e na crítica especializada?
Comecei por ser um apreciador, curioso pelos vinhos velhos (a moda nos anos 70) e leitor assíduo do Jornal dos Vinhos (do semanário O Jornal) e das crónicas do Expresso. Desde cedo comecei a minha própria garrafeira com vinhos que ia comprar a um produtor de Aveiras de Cima e depois engarrafava em casa. Rapidamente peguei a mania a muitos amigos e às tantas já era um carro cheio de jerricans que vinha para Lisboa (sem guia de transporte, claro…). À crítica cheguei naturalmente após alguns anos como colaborador do Jornal dos Vinhos, para onde entrei em 89.
Qual o papel da crítica no desenvolvimento dos vinhos portugueses?
Posso ficar mal na fotografia se disser que a crítica foi muito importante porque estou a ser juiz em causa própria mas penso que é reconhecível que a crítica independente e de matriz jornalística (que não é toda…) tem contribuído para melhorar a apreciação e exigência do consumidor. Acho que há uma crítica dirigida e útil para o consumidor e outra crítica inútil porque voltada para o próprio umbigo do crítico. Cabe ao público decidir qual lhe serve melhor.
Na sua opinião, qual o caminho que os vinhos portugueses devem tomar, principalmente para a exportação?
Tem de haver um factor diferenciador, se não ficaremos esmagados porque não podemos competir em preço/quantidade com o Novo Mundo. A nossa diferença passa pelas castas e são essas que temos de promover. Penso que o público aprecia a diferença e mercados saturados de Chardonnay e Cabernet Sauvignon podem estar disponíveis para outras aventuras vínicas. Um dia virá em que os organismos oficiais perceberão que terão de investir milhões em promoção no estrangeiro, que com as migalhas actuais não vamos lá.
Temos realmente grandes vinhos, de classe mundial?
Temos o Porto, o Setúbal Moscatel e o Madeira. Já não é pouco. E depois temos alguns grandes, grandes vinhos do Douro, Bairrada e Dão. Um vinho de classe mundial tem de durar em cave, tem de continuar a ser de classe mundial ao fim de 15 ou 20 anos. Se assim não for, a tal classe não existe.
Falando agora no campo das provas, existem vinhos “feitos” para as provas cegas?
Espero que não mas não posso assegurar que não existam. Em ultima instância, o produtor é o principal prejudicado porque quem compra o vinho é o consumidor e, se não gostar e se sentir ludibriado, o produtor perde um ou vários adeptos. E perde-os para as colheitas seguintes, não apenas para a colheita em causa.
Já alguma vez provou um vinho e que não tenha tido uma boa apreciação e que depois, com calma, numa refeição, esse vinho se tenha mostrado diferente, para melhor?
Muitas vezes porque é impossível imaginar em definitivo com que pratos «esquisitos» este ou aquele vinho «esquisito» poderão ligar. É certo no entanto que a maioria dos vinhos tem um largo espectro de associação com a comida.
Alguma vez se assustou com alguma nota que tenha dado depois de “destapar” a garrafa?
Acontece, há sempre uma margem de manobra (erro?) que deriva de muitos factores: hora da prova, número de prova feitas antes, disposição, etc. Há que procurar minimizar esse tipo de erros, comparando um vinho com outros que tiveram a mesma nota, etc. É claro que em concursos esta prática não é lavada a cabo porque a nota final é a média ponderada de um grupo de provadores. Por vezes as surpresas são boas e outras más mas….é a vida!
Como vê os eno-blogs portugueses?
Vejo desfocado porque sou pouco frequentador. O desfocado aqui quer dizer que não tenho uma opinião fundamentada. É claro que são tribunas de opinião que todos têm direito a ter. A crítica não é um privilégio de uns quantos eleitos. O impacto da crítica é que é diferente mas não há muito a fazer sobre isso. E sou pouco frequentador porque tudo o que tenho para escrever para os vários jornais e revistas deixa-me pouco tempo e vontade para andar a navegar.
Segue algum deles assiduamente?
Como se imagina, não.
Qual o vinho que bebeu até hoje que mais o impressionou?
Resposta impossível. É que se eu beber Romanée Conti ao pé dum chato, o vinho vai saber-me mal, de certeza. Quer dizer que há o vinho e há a circunstância e um não funciona sem o outro. E não me imagino a beber um grande, grande vinho, sozinho. Fora de questão. Confesso que alguns Porto e Madeira me deixaram sem voz (e foram muitos, o que ainda é mais gratificante). Lá fora e assim de repente lembro-me de um Pichon Lalande de 1982 bebido em double magnum que era assombroso. E o Chateau d’Yquem 1988. E o Montrachet do DRC. E o…
Para quando um vinho de JPM?
O meu sonho era ter uma vinha de 0,01 ha para fazer uma barrica só para mim e amigos. Qualquer coisa que desse para fazer a poda com tesoura de unhas e vindimar bago a bago. Como se vê a ambição não mora aqui.
Qual o vinho que ainda não provou e que está “mortinho” por provar?
Krug Clos du Mesnil, Latour 1961, Cheval Blanc 47.
João Paulo Martins